Direita e Esquerda em Game of Thrones - Quem são os verdadeiros jogadores em Westeros.
OS VERDADEIROS JOGADORES
Em um jogo de xadrez ou de cyvasse, existem muitas peças. Torres, peões, reis e rainhas em um. Rei, plebe, montanhas, dragões e elefantes e várias outras peças no outro. Mas nos dois jogos o número de jogadores é sempre o mesmo: dois.
E em Game of Thrones não é diferente.
Sim, é isso mesmo. Em Game of Thrones existem muitas peças e apenas dois jogadores.
Há pessoas muito inteligentes e interessantes, que às vezes parecem ser jogadores hábeis, inteligentes e bem articulados. Por exemplo, Tywin Lannister parece um excelente jogador do Jogo dos Tronos. Ele sempre consegue o que quer; ele consegue manipular várias pessoas, ir atrás dos seus objetivos e, custe o que custar, conquistá-los. Todo mundo viu como ele foi esperto e ardiloso para deter Robb e Stannis.
Mas, ainda assim, uma simples peça.
É como quando a gente fica furioso com um congressista ou presidente que acaba de aprovar mais uma lei maluca, quando na verdade a idéia veio da cabeça de algum desconhecido funcionário da ONU ou das pesquisas de um professor universitário que o cidadão comum nem sabe o nome.
Como muitas vezes na vida real, os verdadeiros maestros do poder preferem trabalhar por trás das cortinas.
E quem são os verdadeiros jogadores? Vamos lá. Quem controla TODOS os eventos que se desenrolam nos livros de Martin?
Bem, vamos direto ao ponto: os únicos e verdadeiros jogadores do Jogo dos Tronos são... Varys e Mindinho. E cada um representa um espectro político.
Mas como eles são os arquitetos de TUDO o que está acontecendo em Westeros?
Enquanto Varys faz de tudo para manter a legitimidade do reino, Petyr Baelish não se incomoda em ver todo mundo morrer numa poça de sangue, fogo e gelo desde que tudo isso signifique seu avanço em direção ao poder.
Isso fica, desde o começo, mais claro na série do que nos livros. Na série, Mindinho com aquele sorrisinho sacana e Varys com aquele sorriso enigmático e as mãos gorduchas sempre escondidas, trocam uma centena de pequenas porradas verbais quando ninguém está olhando.
Primeiro, vamos falar sobre Mindinho. Quando Lisa Arryn está prestes a morrer pelas mãos do seu amado sabiá, qual a revelação que ela faz?
:)
“Que esposa confiaria em você do jeito que eu confiei? Quando você me deu aquelas gotas e me pediu para colocar no vinho de Jon, o vinho do meu marido; quando você me pediu para escrever aquela carta para Catelyn, dizendo que foram os Lannister...”
... E, puff AAAAAAAAAAaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhh, lá se foi Lysa Arryn pela Moon Door.
Mostrando que Mindinho não se importa em se desfazer daquilo que ele já usou, seja uma esposa ou um rei.
Mindinho, desde a tomada do Trono de Ferro por Robert Baratheon, arquiteta a sua ascensão ao poder. Na verdade, a tomada do Trono de Ferro por Robert foi a sua oportunidade para perceber que, movendo as peças certas, ele também poderia se tornar o homem mais poderoso em Westeros. Na Rebelião de Robert e na saída dos Targaryens do poder, ele percebeu que aquele empecilho legítimo de uma verdadeira dinastia foi colocado de lado e a oportunidade para instaurar o caos estava chegando.
Se voltarmos ao começo de tudo, podemos perceber que praticamente TODOS OS EVENTOS decorridos desde o primeiro livro são obras de Petyr Baelish. Ele é mais responsável pela Guerra dos Cinco Reis do que qualquer um que já colocou uma coroa na cabeça. É ele quem faz a roda girar quando Lisa mata a Mão do Rei e envia a carta para Catelyn. E, depois, tem Ned, Catelyn e Cersei em suas mãos, ouvindo suas sugestões e falsidades.
Praticamente todo mundo que anseia pelo poder acaba se tornando um títere nas mãos de Mindinho.
Mindinho é o Senhor do Caos. O único que se torna poderoso enquanto todo mundo se lasca.
É Mindinho quem mata Jon Arryn e faz com que Lisa envie a carta que faz colocar Catelyn e Ned dentro do Jogo. É ele quem estimula Catelyn e Ned a acreditar que a adaga que tentou matar Bran pertencia a Tyrion. É ele quem coloca Lannisters e Starks em guerra e desestrutura tudo. Quando Catelyn captura Tyrion e Tywin envia, em revanche, a Montanha para perturbar as terras no Trident, está prestes a começar a Guerra dos Cinco Reis. E isso não teria acontecido sem as sugestões astuciosas de Mindinho.
E ainda é ele quem enche a cabeça de Joffrey e coloca a cabeça de Ned para rolar diante do Septo de Baelor. E, logo depois, é ele quem trama com a Rainha de Espinhos para matar o mesmo Joffrey.
Reis e Rainhas, Lordes e Mãos, todo mundo parecendo alguém extremamente poderoso e influente, mas, na verdade, sendo apenas um títere nas mãos do cara que é, segundo as palavras de Varys na primeira temporada: “um homem com uma enorme ambição e nenhuma moral. Eu não apostaria contra você”. E, como mestre do jogo, Petyr já controla Harrenhall, O Vale (a única região que se manteve de fora da Guerra dos Cinco Reis e conseguiu preservar colheitas e riquezas) e já está prestes a colocar o dedinho em Winterfell.
Com já disse Varys:
"alguém que inspira putas e sacerdotes deve ser levado muito a sério."
Ame-o ou odeio-o, ele manda nessa bagaça. E o seu poder apenas cresce.
Mas qual espectro político Mindinho representa? Direita ou esquerda? Nenhum dos dois. Mindinho representa, por um lado, a sagacidade de um homem político que se dedica a conquistar e manter o poder. Num mundo sem fantasia, ele está mais para Eduardo Cunha ou Frank Underwood. Mindinho só não é maquiavélico – no sentido preciso do termo – porque é realista demais para sê-lo, mas é maquiavélico no sentido popular da expressão: um homem capaz de tudo para conseguir o que quer.
Mas por que Mindinho, ao contrário de Cunha ou Underwood, nunca se dá mal? Porque Mindinho é o símbolo perfeito da astúcia demoníaca que conduz a loucura dos homens sedentos por poder ao seu favor e depois se descarta deles como um sorriso diabólico no rosto. No mundo da fantasia, Mindinho é a língua bifurcada de Grima, a lábia do Leviatã, que, engrandecendo com sussurros a majestade do rei, o faz enfraquecer e definhar mesmo em cima do trono.
"He would see this country burn if he could be the king of the ashes"
DIREITA E ESQUERDA EM GAME OF THRONES
Mas se Mindinho não representa nem a direita e nem a esquerda em Game of Thrones, quais os personagens que as representam?
Bem, primeiro vamos falar sobre o arqui-inimigo de Petyr Baelish, o nosso vilão preferido. Seu nome é Lorde Varys. Varys, ao lado de Mindinho, articulam seus interesses desde que Robert venceu Rhaegar no Trident. Cada um sabe que está diante de um oponente a altura e, embora ninguém saiba, eles estão conscientes, pelo menos na série, de que são os únicos jogadores.
O Caos e o Conservador.
Os verdadeiros jogadores de Game of Thrones.
Isso fica claro quando Varys e Illyrio se encontram nas passagens subterrâneas da Fortaleza Vermelha. Mindinho já começou o seu plano e o caos está para começar. O caos orquestrado por Mindinho é necessário para o plano de Varys, mas Illyrio precisa de mais tempo para colocar Dany e o seu exército de Dothrakis a caminho de Westeros.
“Mindinho... só os deuses sabem que jogo Mindinho está jogando. [...] E agora a mulher dele [Catelyn] raptou Tyrion Lannister, graças à interferência de Mindinho. Lorde Tywin tomará isto como um ultraje, e Jaime tem uma estranha afeição pelo Duende. Se os Lannister agirem contra o Norte, os Tully se envolverão também. Você me pede que eu faça demorar para acontecer. Apresse-se então, respondo eu. Nem mesmo o melhor dos malabaristas consegue manter para sempre cem bolas no ar”.
Varys está ciente de que ele e Mindinho estão movendo as cordas, guiando as peças no jogo.
Claro que, sendo as peças do jogo seres humanos com vontades, desejos e a capacidade de tomar decisões livres, nem tudo está dentro do controle dos dois jogadores. Mas eles são capazes de rearticular as ações livres de suas peças sempre ao seu favor. É isso que Mindinho tenta ensinar a Sansa quando fala a ela que terá de correr com o seu plano porque não havia calculado que Cersei iria fazer tantas burradas num ritmo tão acelerado.
É por isso também que Varys e Illyrio têm de ficar rearquitetando o plano inicial quando Dany ou Aegon decidem fazer algo diferente do que eles tinham originalmente planejado (como tentar acabar com a escravidão ao invés de seguir para Pentos). A diferença entre Varys e Mindinho é que Varys é muito mais tolerante com a liberdade humana e sabe que, por mais que a ordene na direção do seu plano, as pessoas têm desejos próprios e tomam decisões seguindo a própria consciência.
Ou vocês acham que, se Dany fosse parte do jogo de Mindinho ele já não teria colocado alguém para fazer a sua cabeça e direcioná-la exatamente – e rapidamente – para onde ele deseja? Varys, ao contrário, espera pacientemente poder articular os acontecimentos imprevistos causados pelas escolhas dos outros dentro do seu plano original.
Enquanto Mindinho controla o jogo de um lado da mesa afim de sequestrar pra si todo o poder, Varys batalha, sentado na sua frente do tabuleiro, para garantir a permanência da dinastia dos Targaryen no controle. Ele sabe que, se um Baratheon pôde se rebelar e tomar para si o Trono de Ferro, qualquer casa pode reivindicar o mesmo para si quando o caos de Mindinho começar e, portanto, o povo de Westeros jamais estará em paz.
É Varys quem salva os últimos representantes dos Targaryen e os mantém a salvo sob a proteção de seu amigo mais leal, Illyrio Mopatis. Illyrio, por sua vez, inibe, mesmo de longe, Viserys de tomar Daenerys no sentido bíblico do termo.
É Illyrio quem mantém protegido o Jovem Grifo (um personagem até aqui mantido fora da série de TV) e planeja com Varys o casamento de Dany com Khal Drogo.
Aparentemente, o plano original era reconduzir os Targaryen de volta ao Trono de Ferro quando o Caos da Guerra tivesse consumido tudo e deixado o povo quase sem esperanças. Então Dany, Aegon e Viserys (?) chegariam com um gigantesco exército de Dothrakis e dos exilados da Companhia Dourada e reassumiriam o trono.
Acredito que esse era o plano original, mas eu sei que não dá pra ter nem 10% de certeza.
Mas o que é certo é que o grande desejo de Varys é o de reestabelecer a dinastia legítima dos Targaryen a qualquer preço. Seu plano é o de retomar a ordem em Westeros.
Varys, portanto, representa o conservadorismo idealista que batalha para manter os elementos da Tradição – ainda que as pessoas não estejam nem aí para ela. Ele acredita fervorosamente em conceitos e instituições como Legitimidade e Reino. Em uma das suas conversas com Ned Stark – enquanto tenta em vão salvá-lo –, Varys afirma: “eu não sirvo ao rei e nem ao povo. Eu sirvo ao reino”. Reis e pessoas são mais volúveis e passageiros do que o reino.
On candystripe legs the spiderman comes
Softly through the shadow of the evening sun
Stealing past the windows of the blissfully dead
That the spiderman is having me for dinner tonight :D
E, para Varys, estando a ordem do reino salvaguardada, o povo finalmente pode usufruir de um tempo de paz. Varys está convencido de que deve servir a algo duradouro e que só ele, reerguendo a Tradição, poderá reintroduzir a paz em Westeros.
No diálogo que ele tem com Kevan Lannister no final do último livro (e pela demora do Martin deve ser o último pra sempre. Lança logo outro, infeliz), Varys deixa claro que vem criando e educando o herdeiro Targaryen para ser o melhor dos reis possíveis, um homem instruído, culto, devoto e fiel. Um rei mais ou menos no estilo do rei-filósofo platônico.
Ao contrário de Mindinho, que vive do Caos, Varys acredita em alguns valores: ele faz o que pode para salvar Eddard Stark, ele preserva a vida de Arya e de Gendry, ele busca a paz para o reino.
A cautela de Varys é a do homem que sabe que o mundo é mau e que, por isso, alguns bens têm de ser preservados.
Varys, portanto, é a representação ideal da direita conservadora na trama de Game of Thrones.
Mas, se Mindinho simboliza a luta pragmática e desleal pelo poder e Varys o conservadorismo, quem simboliza a esquerda?
Bem, aí que vem a melhor parte, cara.
Na trama das Crônicas de Gelo e Fogo, a esquerda está muito bem simbolizada em um personagem que a gente ama odiar: Melisandre.
Presta atenção. Todas as ações de Melisandre são baseadas em uma promessa messiânica que lançará para longe o Mal e as Trevas. Enquanto Varys, pragmaticamente, tenta erguer um rei que seja expressamente foda, Melisandre é guiada por aquele ideal que diz que, um dia, as forças de um governo ou governante serão tão fortes e perfeitas que farão sucumbir o pecado e erguerão um reino de justiça e paz. Como a esquerda, ela corre atrás dessa promessa segundo a qual, no futuro, o Rei construíra algo para sempre grandioso.
Melisandre é aquele tipo que, ainda que preze algo verdadeiro, acredita que possui uma visão e uma missão acima de todos os outros. Por isso ela pode queimar pessoas em nome de um destino. Por isso ela pode se sentir superior a todos os que não se encaixam no seu projeto. Lembrem-se que ela só salva Davos por acreditar que ele ainda tem um dever a cumprir.
Curiosamente, seu projeto e sua confiança levam seus servos à ruína (Stannis, Selyse, Ser Axel...).
É tão gata que a gente até deixa ela ser insuportável.
E, caso a promessa falhe, como falhou com Stannis, ela pode reescrever suas esperanças – pois, se o futuro ainda está no futuro, qualquer coisa feita no presente é válido para justificá-lo e a promessa sempre pode ser reinterpretada. É assim que Melisandre justifica os sacrifícios e mortes rituais: em nome de um ideal (sem dúvida que tudo isso rings a bell quando lembramos dos movimentos idealistas que atormentaram os últimos séculos). E é também por isso que ela pode justificar a troca de um Azor Ahai por outro (de Stannis para Jon Snow).
Who is the lord´s chosen, bitch? Se decida.
Da mesma forma que o marxismo, por exemplo, pôde ganhar uma roupagem diferente a cada década, assim funciona o idealismo de Melisandre.
No Instagram. No meio da rua.
Não é a toa que a sacerdotisa vermelha é uma velha em um corpo jovem, pois é como uma velha promessa que pode ser reinventada e renovada o tempo inteiro para justificar um futuro para sempre adiável.